terça-feira, 14 de janeiro de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO DE INÊS TEOTÓNIO PEREIRA

 

Por ter sido Educador toda a minha vida profissional e porque me identifico com este artigo de opinião, aconselho a sua leitura.

A.M.

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Terça-feira, 14 Jan

In: SOL / SAPO

Opinião

Os filhos e os cães

Somos bons a parecer bons e a verdade é que é mais querido resgatar um gatinho da rua do que levar o almoço a um idoso que não consegue descer as escadas do prédio.

O Henrique Raposo está farto de escrever sobre isto. Sobre o facto de vivermos tempos em que se dá maior proteção, atenção e cuidado aos animais domésticos do que às crianças, especialmente e no caso dele a crianças especiais como as autistas. A sociedade é mais sensível aos direitos dos animais do que aos direitos dos idosos ou de pessoas com deficiência.

Vivemos melhor com as dificuldades dos outros do que com o mau estar dos animais: um idoso que viva abandonado num 5.º andar numa selva de prédios ou que é mantido num hospital porque não tem condições de ser enviado para casa e tratar-se sozinho, não agita automaticamente grupos ativistas nem gera indignação coletiva espontânea. Uma criança que precisa de cuidados especiais e todos os dias é largada na escola porque não tem quem cuide dela em casa, é quase visto como uma privilegiada. Navegamos em paz no nosso rio onde estas margens são cada vez maiores. Os animais, esses, fazem correr lágrimas. Os animais têm cada vez mais protetores e as pessoas mais frágeis cada vez menos.

Mas há outro problema: o perigo de se ter animais. Qualquer dono de um cão ou de um gato é fiscalizado pelos vizinhos, é insultado na rua caso se atreva a dar uma palmada no dorso do cão ou é denunciado às autoridades se alguém desconfie que ele não passeou durante um dia. Esta dinâmica começou há alguns anos com as crianças e deu no que deu. A sociedade achou que a autoridade sobre as crianças tinha de ser dividida com o Estado, que os pais não chegam para tomar conta dos filhos. Na dúvida, os pais são incompetentes. As regras têm vindo a apertar e quem se atreva a dar um corretivo num filho adolescente, o proíba de fazer tatuagens ou deixe uma criança de 10 anos ir jogar futebol da rua ao entardecer, arrisca-se a ter de prestar contas ao Estado, à justiça e é dos pais o ónus da prova de que é um educador capaz.

Com os cães é pior, os delatores são mais ferozes e os protetores mais irracionais. Um cão pode ladrar uma noite inteira que o prédio tolera, um bebé que berre a noite inteira porque tem cólicas é intolerável e os pais podem ser chamados pelo Estado a justificar a razões da insónia. Esta dinâmica invertida, em que se consegue incluir no mesmo texto a proteção de crianças, de idosos ou de pessoas com necessidades especiais e os direitos dos cães, diz quase tudo sobre a sociedade que se está a criar. Dizer o óbvio, ou seja, que os animais devem ser bem tratados, mas não são pessoas nem precisam de ser tratados como pessoas, é quase um sacrilégio.

Vivemos em crise de emoções e sensações. Aquilo que mais comove são as fotografias e os reels fofinhos e não sofrimento humano. Uma foca sufocada por uma rede de pescadores é viral, uma pessoa em cadeira de rodas que não consiga subir para o comboio é política. Somos bons a parecer bons e a verdade é que é mais querido resgatar um gatinho da rua do que levar o almoço a um idoso que não consegue descer as escadas do prédio. Os cães ainda não são reconhecidos como filhos dos donos, mas cada vez é mais difícil conseguir ter um cão e não o querer tratar como um filho.

Inês Teotónia Pereira

 


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  Por ter sido Educador toda a minha vida profissional e porque me identifico com este artigo de opinião, aconselho a sua leitura. A.M. ----...