quarta-feira, 28 de outubro de 2009

FOI ASSIM QUANDO CHEGÁMOS AO SONGO



Às tantas, a placa toponímica indica Carmona (Uíge), logo aparecem as sanzalas e, lá, estão os meninos de mão estendida a pedirem as latas da ração de combate. Como o fim da viagem se aproxima, o pessoal decide brindar os pequenitos com uma chuva de latas. É um verdadeiro festim para aquelas crianças. Entra-se numa larga avenida ladeada por vivendas a que se seguem prédios, os primeiros que se avistam depois de Luanda, depressa se atravessa a cidade e já estão a sair quando a coluna se imobiliza junto à porta de armas de um quartel – o Batalhão de Carmona. Nada de novo, mais uma paragem técnica.
Porém, os militares que os esperam, ao avistá-los, desencadeiam uma tremenda algazarra! São os primeiros a recebê-los com tanta alegria!
Porquê este barulho todo?! Interrogam-se os maçaricos. O mistério rapidamente foi desvendado. Trata-se simplesmente do pessoal que estes vão render e que vieram do Songo a Carmona esperá-los.
Um furriel da companhia que vai ser rendida perguntou:
– Onde estão os furriéis? Não vejo nenhum!
– Eu sou um deles – responde António.
– Então e as divisas? Porque não as trazem?
– Porque aprendemos que em situação de guerra não se usam divisas, ou galões, conforme se trate de sargentos ou oficiais.
O outro ri-se e diz:
– Podem pôr as divisas! Aqui não há guerra! Daqui até ao Songo não há perigo, está tudo limpo. E logo ali lhes fazem colocar as divisas e os galões.
Entretanto, os camaradas velhinhos, são imediatamente questionados pelos maçaricos acerca da notícia que haviam lido no jornal no dia anterior em Luanda, e, para reforçarem o que dizem, mostram a primeira página do referido jornal! Os camaradas, depois de observarem a notícia, não a desmentem, mas também não se mostram impressionados e dizem-lhes que foi um episódio pouco frequente na área adstrita à Companhia do Songo. “A zona, embora com guerra, não vê disto todos os dias! Podem sossegar”.
– Logo que chegarmos ao Songo pôr-vos-emos a par da situação. As coisas por aqui não são tão más como o jornal as ‘pinta’! Embora seja necessário cuidado, pois há zonas onde os turras atacam se lhes dermos margem para isso – diz um dos furriéis.
Os velhinhos trouxeram lençóis com grandes letras onde saúdam os maçaricos e se lê que “Lisboa fica só a 8700Km”.
À buzinadela de uma berliet, lá seguem para a última etapa da viagem, mais 47 km e chegarão ao fim da viagem. O percurso é feito com forte alarido por parte do pessoal velhinho, que com alegria se manifestam cantando, batendo palmas, dando vivas à peluda. A festa é deles.
E é assim, no meio de toda esta exuberante alegria, que entram no Songo! Primeiro na zona das sanzalas que se encontra de um e do outro lado da estrada, depois logo de seguida à esquerda aparece um lindíssimo jardim cercado por três grandes vivendas de estilo colonial, logo à frente uma pequena lomba e do lado esquerdo surge o Quartel.
Aqui, a algazarra e os cartazes são indescritíveis! A recepção é verdadeiramente apoteótica! Um pandemónio! Vale tudo. Até tiros para o ar são dados! Logo de seguida os oficiais, sargentos e soldados levam os seus novos e tão desejados camaradas para os respectivos bares; cerveja, whisky e refrigerantes, tudo por conta dos felizardos que se vão embora! É a alegria dos que partem e a tristeza dos que acabavam de chegar, numa mistura de emoções contraditórias. Em rigor, mais apreensão do que tristeza, porque a alegria dos primeiros é tanta que contagia os segundos. A festa prolonga-se, para alguns, pela noite dentro.
O segundo e terceiro pelotão são convocados para partirem de imediato para o Quivuenga, onde devem render igual número de camaradas desta Companhia.



PS: Na próxima publicação falarei da nossa chegada ao Quivuenga.

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