O POVO UNIDO JÁ MAIS SERÁ VENCIDO VIVA A LIBERDADE |
Aqui postaremos assuntos relacionados com a CART. 6553/73, Portugal, Angola e com o Mundo.
Neste tempo de Quaresma, marcado pela guerra entre Rússia e
Ucrânia, e o conflito na Palestina/Israel, que nos conduz à Páscoa, talvez não
seja despropositado compartilhar este testemunho de vida:
Eu tinha 17 anos, era maio, o mês de Maria, quando um
colega, o Pedro, me disse: “Eu, João e o Aristides vamos a Fátima a pé, pagar
uma promessa a Nossa Senhora por termos terminado o curso.”
Respondi: "Sou mais novo, ainda me falta um ano para terminar
o curso e não fiz nenhuma promessa. Mas gostaria de ir com vocês a
Fátima!"
Ao final do dia, o Pedro voltou e disse-me: “António, falei
com João e o Aristides, e eles concordaram que tu vás connosco!”
Compartilhei este projeto com o Dr. Vitorino, um velho
professor que também dava aulas de latim no Seminário dos Olivais, e disse-lhe:
“… não fiz nenhuma promessa, mas mesmo assim gostava de ir.” Ele respondeu-me:
“Não importa. O importante é a fé com que tu vais a Fátima. E, à noite, quando te
deitares, oferece o sacrifício da tua caminhada a Nossa Senhora por um desejo
muito forte que tenhas, ou em ação de graças ao Senhor pelo dia que te foi dado
viver. Na hora da oração, saberás o que fazer. Não te esqueças, o mais
importante é a sua fé em Nosso Senhor.”
Quando chegou a hora, numa tarde de maio, após o almoço,
partimos. Na primeira noite da viagem, montamos a tenda encostada à parede da
Igreja da Póvoa de Santa Iria. Os meus colegas foram dar um passeio. Eu preferi
ficar, deitei-me sob um pano de lona, sentindo as irregularidades do chão, e
rezei, seguindo o conselho do Dr. Vitorino. Ofereci o sacrifício da minha
caminhada a Nossa Senhora de Fátima, pedindo-lhe a intercessão junto a seu
Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo fim da guerra do ultramar. Já não por
mim, mas para que um sobrinho meu, que acabara de nascer também em maio, não
tivesse de ir à guerra.
A partir desse dia, todas as noites antes de dormir, rezava
e entregava a Nossa Senhora o sacrifício da caminhada, fazendo-lhe o mesmo
pedido.
Passados cinco anos, em 1973, fui para a guerra. Colocaram-nos
na região no norte de Angola, No Songo. Quando chegámos ao quartel, logo à
entrada, do lado esquerdo da porta de armas, havia uma imagem de Nossa Senhora
de Fátima, pousada na bifurcação de dois troncos de uma frondosa mangueira e, por
abaixo, um pequeno altar. Era a capela do quartel. Sempre olhávamos para essa
imagem quando saíamos para uma operação, pedíamos sua proteção, e quando
voltávamos, agradecendo-lhe por termos chegado com vida.
No dia 25 de abril, também em maio, vim de férias à
metrópole. Ao regressar à guerra, estava imbuído pelo espírito revolucionário
que se vivia em Lisboa. Ao chegar, deparei-me com um quadro político-militar
completamente diferente do que havia deixado. Os meus camaradas também estavam
imbuídos pelo espírito do MFA. Decidimos, então, distribuir mensagens aos guerrilheiros
da FNLA, propondo um cessar-fogo.
Eles receberam a mensagem e responderam. Fizeram uma
emboscada ao responsável da OPVDCA e entregaram-lhe uma mensagem dizendo que
queriam fazer o cessar-fogo connosco. Após o comandante-chefe em Luanda ser
informado, fomos autorizados a falar com os chamados “turras”.
Embora sendo furriel, em tempos, fora designado como
Comandante de pelotão. Fez-se um sorteio entre os comandantes de pelotão, e fui
escolhido para ir falar com os guerrilheiros.
Num belo domingo de sol, reuni os homens do terceiro pelotão
e expliquei a missão. Combinámos a estratégia de aproximação, posicionamento
das viaturas, e recomendei que não levassem máquinas fotográficas nem
gravadores (por ordem do Comandante).
No caminho, não parava de pensar: como seria o encontro com
homens com quem ainda há poucos dias trocávamos tiros? Qual seria a reação
deles? E a nossa? E o que eu diria ao Comandante Vuna Vioka da FNLA? Por mais
que me esforçasse, não encontrava palavras que fizessem sentido para aquela
ocasião...
Ao chegarmos, a tensão era muito alta. Sabíamos que eles já
ouviam as viaturas. Olhávamos para as bermas da picada, atentos, esperando ver
algum “turra” emboscado, mas não víamos nada. O peito apertava-se, provocando
dor! O coração batia desordenadamente, tal era a tensão.
O povo do Penda apareceu no ângulo de visão da primeira
viatura onde eu estava. No meio da rua, uma força militar fardada, em formatura
e desarmada, causou-me surpresa e alívio. As viaturas pararam à distância
combinada. Desci e dirigi-me ao Comandante.
Vuna Vioka apresentou-me aos seus homens em continência
militar e, depois, de braços abertos, dirigiu-se a mim. Abraçamo-nos como
amigos que há muito não se veem. Nesse momento, o povo do Penda começou a
cantar e a dançar, numa explosão de alegria! Os militares de ambos os lados continuavam
firmes.
O Comandante Vuna Vioka, ainda apertando minha mão, disse:
“É uma grande alegria poder viver este momento!” Respondi meio atónito: “Também
para mim!” Então ele perguntou: “Podemos mandar descansar os homens?” Concordei
e demos ordem para que todos ficassem à vontade.
O que aconteceu em seguida foi inverosímil e inimaginável há
cinco minutos: os militares portugueses e os guerrilheiros da FNLA correram uns
para os outros, abraçando-se, trocando quépi, cumprimentando-se e dançando,
numa alegria indescritível. Tudo ao som dos cânticos e danças do povo, sob os nossos
olhares esgazeados. Era a festa da paz. Homens que há treze anos se
confrontavam, ali estavam, como se sempre tivessem sido amigos!
Um arrepio percorreu o meu corpo, os pelos dos braços se
eriçaram. Lembrei-me de Nossa Senhora e da peregrinação a Fátima, das orações
pedindo o fim da guerra, oferecendo o sacrifício da caminhada. Ali estava eu,
em Angola, acordando um cessar-fogo! Era o fim da guerra que se anunciava.
Agradeci a Nossa Senhora e a Deus por aquela oportunidade. Foi um momento de
grande interioridade espiritual, que consegui vivenciar no meio de tanta
alegria.
Não houve tratados escritos, apenas um aperto de mão selou o
acordo, válido para a região norte de Angola, na zona de influência da FNLA.
Posteriormente, o cessar-fogo foi subscrito em reunião no Songo pelo Comandante
do COPM e Vuna Vioka.
Já recompostos, os comandantes recordaram as últimas
operações do exército na serra da Mucaba. Uma hora depois, despedimo-nos e
regressámos ao quartel, em grande excitação e alegria. Alguns homens choravam,
outros lamentavam não ter levado lembranças para os novos amigos guerrilheiros.
Irmãos, estou profundamente convicto de que, com muita fé,
pedi a Nossa Senhora de Fátima, e ela escutou os meus pedidos, intercedendo
junto a seu amado Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e Este a Deus. Ele quis que
eu e meus companheiros estivéssemos ali, naquele momento, para selar um acordo
de cessar-fogo e participar, à nossa humilde escala, no fim da Guerra no Norte
de Angola. Deus nada faz por acaso.
"Esta é a vitória que vence o mundo – a nossa fé."
1 João 5:4
Abril, 2022
A.M.
CAMARADA, TEMOS SAUDADES DE TI, APARECE. UM FORTE ABRAÇO.
“É O COMER QUE FAZ A FOME. É O CORAÇÃO QUE FAZ O CARÁTER” Eça de Queiroz Imagem: Internet