Verso e reverso |
Estava uma tarde escaldante, debaixo de uma enorme mangueira abrigavam-se da canícula quatro homens, entre eles estava o Aloquete – um trabalhador assalariado ao serviço do quartel, um pouco mais velho do que nós, andava pelos vinte e seis anos – eu, que nesse dia estava de sargento de dia, aproximei-me e meti conversa, ou melhor, meti-me na conversa. O grupo discutia uma mensagem que o quartel havia recebido, há uns dias, do Governador e Comandante Geral de Angola cujo conteúdo era o seguinte: «informar as populações autóctones que tivessem tido lavras anexadas pelas fazendas dos colonos que apresentassem queixa, nas administrações civis ou nos quartéis, a fim de estas lhes serem devolvidas».
Pelo que me apercebi só o Aloquete tinha sido vítima desta situação, e perguntei-lhe:
– Então, Aloquete, também te anexaram lavras?
– Sim!
– E já foste apresentar queixa?
– Não!
– Não! Porquê?
– Não vale a pena – respondeu resignado!
– Conta-nos lá isso. – E, o Aloquete contou-nos então a seguinte história:
“Um dia apareceu na nossa aldeia, no Quimacuna, era eu pequenito, tinha oito anos, era o mais velho dos quatro irmãos, todos rapazes, o Sr. (chamemos-lhe) Vilhena, foi chamar o pai lá a casa, para este ir ao Sr. Administrador no Songo!
Era hábito naquela altura, quando um branco dizia que o preto tinha de ir ao Sr. Administrador, ter mesmo de ir! Mas o pai antes de ir chamou-nos (os três filhos) e disse-nos: «O Sr. António está a dizer para o pai ir no Sr. Administrador, mas é mentira, ele quer é ficar com as nossas lavras! Penso que ele vai matar o pai e atirar-me para o rio Lucunga! Mas antes, de o pai ir, quer que saibam que as nossas lavras ficam nos sítios X e Y. Há de vir um dia que vocês vão poder falar e, nessa altura, elas voltam para ti e para os teus irmãos»! Ele falava para mim por eu ser o mais velho. Depois abraçou-nos, despediu-se da minha mãe que chorava encostada à porta e, por fim, subiu para a caixa da Toyota do Sr. António”.
O Aloquete faz uma pausa, fixou o olhar em mim e disse:
– A verdade é que até hoje o meu pai nunca mais apareceu! E nós deixámos de ter lavras. Estão lá, integradas na fazenda do Sr. António.
– E então, com esta história, estás à espera de quê para te ires queixar e reaveres o que é teu e dos teus irmãos? – Perguntei intrigado.
– Não vale a pena! Sabe? Os meus pais já morreram e já não voltam, os meus irmãos foram para Luanda e eu também estou a pensar ir para lá! De maneira que não vale a pena. Já chega de maka, de guerra e de morte. Agora quero paz. Paz para sempre – concluiu o Aloquete.
Senti-me pequenino, perante a grandeza deste homem e a sua capacidade de tolerância, de perdoar e a fortíssima vontade de, com este gesto, fazer a paz. Olhei-o nos olhos e disse-lhe:
– Uma vez que pensas assim, quem sou eu para te dizer o que deves fazer? E, já agora, o que pensas acerca do futuro de Angola?
– Olhe, Furriel, as coisas não vão mudar assim muito para o povo. Quem tem dinheiro vai ganhar ainda mais, quem é pobre vai continuar a ser pobre. Como vê não tenho grandes ilusões, mas fico contente por Angola ser independente.
– Então quando chegar a altura das eleições, vais votar na FNLA? – Perguntei, abelhudo.
– Não. Na FNLA não. Nunca. Sabe o povo não esquece que quando a FNLA começou a luta armada, matou de igual modo brancos, pretos, mulheres e crianças. Roubou e saqueou tudo sem olhar a nada, nem a ninguém, fez uma razia. Isto, o povo não esquece. Como também não esquece que a UNITA foi criada, ou pelo menos ajudada, pela PIDE. Estas coisas ficam marcadas nas cabeças das pessoas e elas não esquecem. Assim, e para responder à sua pergunta, quando chegar a hora vou votar no MPLA.
– Mas é estranho, pois foi a FNLA quem começou a guerra de libertação e que lutou sempre aqui no norte de Angola, era normal que, a generalidade das pessoas votassem neles? Insisti.
– Sabe meu Furriel, há erros que uma vez cometidos, nunca mais se conseguem remediar e a FNLA cometeu um grave erro no início da luta armada, ao matar os pretos que trabalhavam para os brancos e ao saquear as aldeias. Quando houver eleições o MPLA vai ganhar, pode ter a certeza.
O Mundo seria bem diferente se todos pensássemos como o Aloquete! Porém, é da natureza humana, o homem é capaz de ser generoso e o seu contrário. Mas são homens como este, dignos, que devem merecer a nossa admiração e respeito.
Pelo que me apercebi só o Aloquete tinha sido vítima desta situação, e perguntei-lhe:
– Então, Aloquete, também te anexaram lavras?
– Sim!
– E já foste apresentar queixa?
– Não!
– Não! Porquê?
– Não vale a pena – respondeu resignado!
– Conta-nos lá isso. – E, o Aloquete contou-nos então a seguinte história:
“Um dia apareceu na nossa aldeia, no Quimacuna, era eu pequenito, tinha oito anos, era o mais velho dos quatro irmãos, todos rapazes, o Sr. (chamemos-lhe) Vilhena, foi chamar o pai lá a casa, para este ir ao Sr. Administrador no Songo!
Era hábito naquela altura, quando um branco dizia que o preto tinha de ir ao Sr. Administrador, ter mesmo de ir! Mas o pai antes de ir chamou-nos (os três filhos) e disse-nos: «O Sr. António está a dizer para o pai ir no Sr. Administrador, mas é mentira, ele quer é ficar com as nossas lavras! Penso que ele vai matar o pai e atirar-me para o rio Lucunga! Mas antes, de o pai ir, quer que saibam que as nossas lavras ficam nos sítios X e Y. Há de vir um dia que vocês vão poder falar e, nessa altura, elas voltam para ti e para os teus irmãos»! Ele falava para mim por eu ser o mais velho. Depois abraçou-nos, despediu-se da minha mãe que chorava encostada à porta e, por fim, subiu para a caixa da Toyota do Sr. António”.
O Aloquete faz uma pausa, fixou o olhar em mim e disse:
– A verdade é que até hoje o meu pai nunca mais apareceu! E nós deixámos de ter lavras. Estão lá, integradas na fazenda do Sr. António.
– E então, com esta história, estás à espera de quê para te ires queixar e reaveres o que é teu e dos teus irmãos? – Perguntei intrigado.
– Não vale a pena! Sabe? Os meus pais já morreram e já não voltam, os meus irmãos foram para Luanda e eu também estou a pensar ir para lá! De maneira que não vale a pena. Já chega de maka, de guerra e de morte. Agora quero paz. Paz para sempre – concluiu o Aloquete.
Senti-me pequenino, perante a grandeza deste homem e a sua capacidade de tolerância, de perdoar e a fortíssima vontade de, com este gesto, fazer a paz. Olhei-o nos olhos e disse-lhe:
– Uma vez que pensas assim, quem sou eu para te dizer o que deves fazer? E, já agora, o que pensas acerca do futuro de Angola?
– Olhe, Furriel, as coisas não vão mudar assim muito para o povo. Quem tem dinheiro vai ganhar ainda mais, quem é pobre vai continuar a ser pobre. Como vê não tenho grandes ilusões, mas fico contente por Angola ser independente.
– Então quando chegar a altura das eleições, vais votar na FNLA? – Perguntei, abelhudo.
– Não. Na FNLA não. Nunca. Sabe o povo não esquece que quando a FNLA começou a luta armada, matou de igual modo brancos, pretos, mulheres e crianças. Roubou e saqueou tudo sem olhar a nada, nem a ninguém, fez uma razia. Isto, o povo não esquece. Como também não esquece que a UNITA foi criada, ou pelo menos ajudada, pela PIDE. Estas coisas ficam marcadas nas cabeças das pessoas e elas não esquecem. Assim, e para responder à sua pergunta, quando chegar a hora vou votar no MPLA.
– Mas é estranho, pois foi a FNLA quem começou a guerra de libertação e que lutou sempre aqui no norte de Angola, era normal que, a generalidade das pessoas votassem neles? Insisti.
– Sabe meu Furriel, há erros que uma vez cometidos, nunca mais se conseguem remediar e a FNLA cometeu um grave erro no início da luta armada, ao matar os pretos que trabalhavam para os brancos e ao saquear as aldeias. Quando houver eleições o MPLA vai ganhar, pode ter a certeza.
O Mundo seria bem diferente se todos pensássemos como o Aloquete! Porém, é da natureza humana, o homem é capaz de ser generoso e o seu contrário. Mas são homens como este, dignos, que devem merecer a nossa admiração e respeito.
Imagem: Internet
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