De tanto gritarem por ele, o satanás chegou com a primavera (...)! Raposa velha sentou-se no alto da Serra da Estrela, bem lá em cima, para poder observar todo o nosso território.
E veio porque ouvira dizer que, nesta terra lusitana o
clima, especialmente no tempo quente, era uma maravilha! E, como se sabe, do
quente gosta o príncipe das trevas…
Nas suas deambulações por esse mundo imenso, ouviu dizer que
este cantinho a Ocidente da Europa, mesmo à beira mar plantado, era uma maravilha:
tinha uma luz deslumbrante, uma história muito antiga, o mais velho estado com
fronteiras defendidas da Europa, uma cultura muito rica, monumentos lindos,
praias extraordinárias, paisagens naturais, diversificadas e belas,
gastronomia e que gastronomia... E vinho, ah que vinho: ele é tinto, ele é
branco, ele é rosé, ele é espumante, todos eles capazes de ombrearem com os
melhores que há no Mundo e, que, por isso, são de se lhe tirar o chapéu e estalar
a língua, ai que bons...Que de tão bons são capazes de dar largas à imaginação
de quem os bebe, chegando mesmo a verem Baco - deus do vinho na mitologia - Mas,
como o demónio não quer nada com Deus, fiquemos por aqui, pelo menos por agora,
porque nunca se sabe o que o satã pode vir a aprontar no futuro.
Mas não é que o maléfico do anticristo, ainda viu mais: viu
gente hipócrita, gente invejosa, gente gananciosa, gente corrupta, gente
maldizente e esfregou as mãos de contente; mas, ficando mais atento, lá do alto
do rochedo, começou a ver que também cá há muita gente boa, a maioria! Gente
de trabalho, gente honesta, gente solidária, gente resiliente no infortúnio e
torceu o nariz; vai daí, aproveitando o calor de Junho e a malvadez de um dos
seus apaniguados que ateava fogo a uma moita, começou a soprar, a soprar, a
soprar fogo pela boca e pelas ventas, até que o fogo varreu tudo num ápice e
tudo transformou em cinzas, até as pessoas, lá para os lados de Pedrogão
Grande. Um inferno aqui, nesta terra de brandos-costumes, que tal tragédia
nunca se havia visto.
Convencido, o chifrudo, de que já havia dado uma lição a
esta boa gente que tem a mania de fazer o bem, pensou, lá para com os seus
botões, que já podia ir para sua casa. Mas, de repente, começou a ouvir um
turbilhão de verborreias: políticos despojados de qualquer sensatez inventavam factos
onde os não havia, jornalistas desprovidos de qualquer ética profissional e
pessoal, atiravam palavras, carregadas de gasolina, para o ar ardente e, gente,
muita gente a opinar disparates como se fossem as maiores sumidades sobre a
matéria em causa - os fogos - e, então, o anjo rebelde decidiu sentar-se, lá no
rochedo, e ver no que isto ia dar: muita bazófia, falta de coordenação, o deixa
andar que o tempo resolve tudo… Mas, também viu muita solidariedade, gente
muito inteligente e sábia, gente empreendedora que arregaça as mangas e deita
mãos à obra e, às tantas, pensou, muito furioso: esta gentinha não aprendeu
nada e, vai daí, desce para a margem norte do rio Tejo e, novamente, aproveita-se
de um bando de inconscientes que tendo ouvido dizer que a chuva, finalmente,
vinha a caminho, desataram a fazer queimadas para que os verdes rebentos
viessem mais depressa, às primeiras pingas de água, e o seu gado beneficiasse
do pasto; e, ainda, com uns e outros, filhos do dito, à solta, que iam ateando
o lume, o malévolo, volta a soprar, agora com mais raiva do que antes, soprou e
fez sair o lume pela boca e pelas ventas varrendo todo o Norte deste pequeno
torrão lusitano, tendo mesmo chegado à Galiza e tudo arrasou: homens, mulheres,
crianças, casas, animais e tudo o que era verde, tudo, tudo isto sob um
turbilhão de nuvens de fogo que evoluíam a uma velocidade incontrolável e indescritível;
de tal forma esta realidade era dantesca que os animais morreram de pé e o
vidro derreteu (o ponto de fusão do vidro é de 1500 a 1600 graus Celsius). E, tudo,
o capeta transformou em cinzas. Ficámos com um país a preto e branco.
Será que depois da casa ardida, desta vez aprendemos alguma
coisa? E, será que é agora que de uma vez por todas, pomos trancas às portas, deixando
o apregoado maligno ir-se embora para assim podermos ter algum descanso? Será?
Vamos ver.
Mas, à cautela, vamos pôr a barba de molho, um corno do lado
de fora da porta e uma cruz do lado de dentro e vamos pedir a Deus que nos
ajude e nos livre do demónio, porque aos cá de baixo, olhem… É isto.
E já agora, que anda toda a gente numa discussão filosófica
muito interessante, de ver quem é que tem de pedir mais desculpas, pergunta-se:
- Todos achamos que o Estado falhou, verdade? Muito bem!
- Quem é o Chefe do Estado? O Presidente da República. Muito
bem!
O Chefe do Estado pediu desculpa. Muito bem. E anda pelo
país a confortar as pessoas e a ouvi-las. Muito bem.
O Primeiro-Ministro foi para Bruxelas pedir a Solidariedade
da Europa para nos ajudar a recuperar da catástrofe. Muito bem. Que assim
continue a trabalhar, para nos tirar desta situação catastrófica e
claustrofóbica em que estamos metidos, por nossa culpa e a de todos
os governos que é suposto nos terem Governado até este momento. Verdade?
Imagem da Internet
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