homenageados? A historiadora Joana Pontes foi ler mais de 40
mil cartas da época e não tem dúvidas que sim.
A historiadora Joana Pontes defende ser "devida uma
homenagem” aos militares mobilizados, que prestaram serviço na Guerra Colonial
(1961-1974), a propósito do seu novo livro, “Sinais de Vida", publicado no
final de novembro pela editora Tinta-da-China a partir da consulta de 44.000
cartas e/ou aerogramas trocados entre 1961 e 1974.
João Cabral Pinto
“Deve haver, da parte das pessoas de hoje, uma homenagem a
esses militares, e perceber estas pessoas no seu contexto”, disse à agência
Lusa Joana Pontes, depois da publicação do seu livro “Sinais de Vida", em
que reflete sobre a correspondência trocada entre os milhares de militares
destacados nos países então sob administração portuguesa, e os seus familiares
e amigos, de 1961, quando a guerra eclodiu em Angola, e 1974, ano em que se deu
a revolução que depôs a ditadura que sustentava o conflito.
“Há que perceber as pessoas neste contexto. E era
obrigatório ir [para a guerra]. E a maioria foi em condições muito
complicadas”, argumentou Joana Pontes.
“Além desse reconhecimento, em falta, há que dar a conhecer o
que foi a circunstância da Guerra [Colonial] e a maneira como, de facto, as
pessoas não percebiam muito bem o seu império”, disse a historiadora à Lusa.
“Sinais de Vida” resulta da tese de doutoramento em História
de Joana Pontes, sobre a correspondência dos militares em contexto bélico, o
que reconheceu “ser uma área de investigação muito pouco habitual em Portugal,
mas que permite estar mais perto das pessoas comuns”.
A historiadora acrescentou que este tipo de universo de
análise “é muito comum em França, Inglaterra, Espanha ou Áustria, sobre
contextos como as duas guerras mundiais ou até a Guerra Civil espanhola
(1936-1939)”.
“Foi gente que passou ali um muito, muito mau bocado"
Sobre as gerações que foram mobilizadas para a Guerra
Colonial, Joana Pontes afirmou: “Foi gente que passou ali um muito, muito mau
bocado, e lamento muito que não se preste a estas pessoas uma homenagem”.
“Lamento que não se preste a devida atenção e se reconheça
que de facto eles foram servir a Pátria, e isso foi um ato de enorme
generosidade; mas como a guerra foi considerada ilegítima depois do 25 de Abril
de 1974, caiu-se tudo numa espécie de limbo, em que se prefere não falar
nisso”, disse a historiadora, que considerou que “há agora uma oportunidade” de
reparação.
“Eu acho que estes militares, os que foram mobilizados,
sentem muito não serem reconhecidos, que não se reconheça o sacrifício. E, ao
ler as cartas, acho se percebe o que foi a vida dessas pessoas, com 20 anos,
separadas das famílias, durante pelo menos dois anos, lá longe, muito longe,
num inferno”, argumentou, em declarações à Lusa.
Sobre a investigação, o ex-diretor do Arquivo Histórico
Militar, Aniceto Afonso, escreve no prefácio que apresenta “um
invulgar sentido de responsabilidade, num exaustivo e rigoroso planeamento”.
Estimando tratar-se de um “contributo para a compreensão da Guerra Colonial que
será indispensável conhecer e consultar”.
Joana Pontes, por seu lado, disse à Lusa que este seu
trabalho “dá a consciência do que foi o Estado Novo: uma vida sem perspetiva,
uma vida muito, muito difícil e dura, das condições em que viviam".
"Quando a agricultura não dava, era um ano mau, havia
fome. Nos bairros periféricos no Porto, havia umas casas onde chovia e as
mulheres ainda iam lavar os carregos, como diziam, de roupas no rio”, recorda a
historiadora.
"Um imenso drama coletivo”
Aniceto Afonso, no prefácio, diz que a obsessão de um
pequeno país querer manter, pela via da guerra, extensos territórios além-mar,
“acabou por envolver o povo português num imenso drama coletivo”.
“É tudo muito triste porque são jovens, com 20 anos, eles e
suas noivas”, sublinhou por seu lado a investigadora, acrescentando: “Às vezes
digo isso aos meus alunos, imaginem-se com 20 anos, lá longe, sem ninguém, foi
terrível”.
Nas transcrições de algumas das missivas, na obra, são
notórios os erros de ortografia, o que corresponde a uma “muito fraca
alfabetização”, que era comum a quem era recrutado e aos que ficavam. O que
constituiu "uma dificuldade à investigação".
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A autora consultou 44.000 cartas e/ou aerogramas,
estimando-se a correspondência deste tipo, entre 1961 e 1974, em 21.000
toneladas.
Além da família e amigos, os militares correspondiam-se com
as “madrinhas de guerra”, jovens que lhes escreviam como um meio de apoio moral
e psicológico. Algumas, como é referido no livro, tornavam-se namoradas e
futuras mulheres.
A investigadora atesta ainda que “não havia uma politização
clara": "As pessoas não sabiam exatamente o que se estava a passar no
contexto internacional, porque é que a descolonização teria de existir. Este
tipo de considerações não estava presente na mente das pessoas”.
A investigação destas missivas, colocando na narrativa
histórica não apenas as élites sociais, políticas, militares ou religiosas, mas
também "as pessoas comuns e a sua vivência dos factos", permite
"compreender a política num sentido mais lato”, ao mostrar “como
estas pessoas estiveram a viver esta missão e em que condições”.
O ex-diretor do Arquivo Histórico Militar, que assina o
prefácio, afirma, por seu turno, que “a intransigência do regime português e a
sua opção pelo conflito militar como solução para a questão colonial teve
consequências extensas e cada vez mais profundas na sociedade portuguesa”.
Segundo números avançados nesta investigação, o recrutamento
de mancebos em Portugal rondou os 600.000, tendo 300.00 combatido em Angola,
135.00 na Guiné-Bissau e 150.000 em Moçambique.
As cartas são “uma forma de diário”. E se só alguns
escreveram diários, contou a historiadora, “certo é que todos escreveram
cartas”, dando conta do seu estado de espírito, e das condições em que
combatiam.
MadreMedia / Lusa
5 dez 2019 09:59
Atualidade
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Nota: por acharmos que este artigo, publicado no SAPO
24, no dia 05/12/2019, é do interesse de todos nós, ex-combatentes, atrevemo-nos a copiá-lo, incluindo a imagem, para o blog.