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Monumento aos fundadores do SONGO |
Voltei de novo ao Blogue!
Mentiroso, troca-tintas, o que quiserem. Mas quando escrevi: “Com esta
notícia dou por terminado este blogue. Como em tudo na vida há sempre um
princípio, meio e fim. Sinto que já não tenho nada mais para dizer e, quando
assim é, o melhor é ficarmos calados. Agradeço a todos os que visitaram o
blogue e em particular abraço os que tiveram a generosidade de intervir. Quem
sabe um dia destes nos encontraremos noutro local para falarmos de outros
assuntos.” Não disse, como alguém, que esta minha atitude era irrevogável.
Assim, sinto-me legitimado a voltar (a pedido de vários camaradas, amigos e leitores
do blogue) ao vosso convívio de que tanto gosto.
E, para este regresso, nada melhor do que esta linda lenda que descobri
no “RA - Rede Angola” escrita por Pedro Cardoso, a propósito da lagoa do
Mufututu, no Quimacuna, Songo. Achei-a deliciosa!
“ Songo
Estamos em terras do antigo Reino do Congo e toda essa sabedoria,
lendas e histórias vêm de tempos lá muito atrás.
As histórias mágicas do norte do país mergulham bem fundo nas lagoas do
Songo. As lendas do Uíge são ancestrais e passam de boca em boca desde quando
os tempos eram coisa sem calendário. A vila cafezeira do Songo é o lugar de
cidades inundadas e luzes misteriosas no fundo de águas claras.
A tradição do norte é coisa muito própria. Estamos em terras do antigo
Reino do Congo e toda essa sabedoria, lendas e histórias vêm de tempos lá muito
atrás. A província do Uíge é parte desse
todo que foi poderoso e que ainda hoje tem uma força cultural intensa.
A noroeste da capital da província, está o Songo. Vila de recente
fundação. As terras que hoje conformam o município só foram reconhecidas
oficialmente como posto administrativo colonial em 1923, a 4 de Abril. Contam
que o lugar foi fundado por um português, António Cordeiro de Oliveira, que ali
chegou uns anos antes, em 1919. Não se sabe ao certo de onde vinha, se ali
chegou em deambulação ou com missão explícita de reforçar a presença colonial
na região. A 27 de Julho de 1960, o Songo foi elevado a vila, impulsionada pela
produção de café nas suas terras. Por estes anos o Uíge era uma potência
cafeicultora mundial. Um monumento ao café relembra a quem visita o Songo a sua
vocação que, pouco a pouco, vai renascendo.
O Songo é dessas vilas pequeninas em que Angola ganha outra cara.
Talvez mais real e pé no chão. Sem alaridos nem maquilhagem desnecessária.
Directa e sincera, como as suas gentes. E com sabores tão nossos como a nfumbua
ou a kizaca. Uma volta pela sede municipal é uma visita a um passado não tão
distante, feito de casas comerciais de colonos, de edifícios rústicos e sóbrios
de lugar agrícola. Centro Turístico Esta é a história oficial, com H grande,
linha de tempo bem horizontal e com direito a referências de almanaque. A outra
história é bem diferente. Escrita com letras grandes do princípio ao fim, conta
os murmúrios que esvoaçam, tipo brisa, por entre as moreiras, pau-preto,
mucambas, muanzas, takulas e tantas outras árvores que se fecham em selva nestas
terras altas da província.
É a uns quilómetros do Songo, no lado direito da estrada entre a vila e
Ambuila, que se revela um outro lado deste lugar. A tradição aqui surge em
forma de lagoa. Mufututu, chamam-lhe. As histórias fantásticas sobre este ponto
de água cristalina, bem pertinho da aldeia de Quimacuna, são de arregalar os
ouvidos. Contam que lá em baixo das águas cristalinas há uma gruta de onde saem
bagres já fumados ou cozidos. O estranho fenómeno terá sido descoberto em 1922
ou 1923 pelo mais-velho Nkelani.
Esta lenda que os habitantes de Quimacuna juram ser verdade-verdadeira,
foi contada em voz viva pelo mais-velho Mateus Domingos ao Jornal de Angola, numa visita do jornalista José Bule ao
local. Atordoado pelo fenómeno, depois de descobrir a lagoa, o parente Nkelani
voltou a Quimacuna, perseguido por dois porcos. Antes de morrer subitamente,
teve uma visão onde os bagres lhe pediam que ninguém entrasse na lagoa. Desde
então, não há vivalma autorizada a pescar ou mergulhar naquelas águas.
Os sonhos e visões nunca mais cessaram. Dizem que sempre que algo
importante está prestes a acontecer, os bagres mergulham nos sonhos dos sobas
da aldeia, como alerta ou anúncio. As lendas sobre este lugar mágico, a apenas
47 km a norte do Uíge falam também que na lagoa vivia a Mãe Bagre. Um dia,
incomodada pelas obras na estrada que passa ali ao lado, a progenitora de todos
os peixes da região foi viver para a lagoa Dimina, comuna de Kinvuenga. Não sem
antes se despedir do então soba de Quimacuna, Miguel Nsanga, num sonho em que
pediu que os habitantes da aldeia cuidasse dos seus filhos.
Com ela, desapareceu também um dos outros grandes mistérios do
Mufututu. Contou o velho Mateus Domingos a José Bule que antes havia uma enorme
cidade dentro da lagoa que só era possível visitar, uma vez observada uma
cerimónia ritual. “Depois da mãe dos bagres mudar de residência, a cidade
desapareceu e agora só se vê uma luz verde lá no fundo”. Palavras do
mais-velho.
A força dos antepassados aqui é forte, e não há que pôr em causa as
histórias de quem realmente conhece a terra e vive lado-a-lado com os mistérios
que ela encerra. Se gostar de viajar pela mágica tradição do nosso país, numa
paisagem natural de beleza densa e verdejante, o Songo é lugar ideal.
Como ir
O Songo fica cerca de 50 km a norte da cidade do Uíge, na via que liga
o corredor Negage e Uíge.”
Maravilhosa! Não é? Dos portugueses que andaram por estas terras, quem
conhece esta lagoa?