domingo, 8 de novembro de 2009

A PROPÓSITO DE CAFÉ



Há dias, estava a navegar pela blogosfera, quando encontrei um blogue (“Por Terras de África” que aconselho a visitarem) onde o autor se diz desalentado por neste percurso – De Luanda ao Uíge – não ter visto uma planta de café!
Este facto surpreende-me, porque, como sabem as pessoas da minha idade que por ali passaram, nesta região o café era rei. Aliás esta estrada era memo conhecida pela estrada do café.
A propósito de tudo isto, dei comigo a pensar que poderia partilhar convosco um excerto do capítulo de um livro que espero ser capaz de concluir e que tem o objectivo de contar a minha visão, embora romanceada, da guerra colonial de que fiz parte.

O cultivo do café
A zona sob protecção da Companhia Militar do Songo, que corresponde mais ou menos à área de uma das nossas províncias no continente, é dominada por grandes, médios e pequenos cafeicultores, cabendo uma pequeníssima parte, absolutamente residual, aos autóctones. Enquanto o café dos fazendeiros é plantado segundo os novos métodos de plantio em linha, o dos indígenas, por ser mais antigo, é desalinhado. A fazer lembrar, aliás, as velhas vinhas das nossas aldeias.
A plantação faz-se em terreno plano ou de montanha onde árvores altas fazem o sombreamento das plantas. Para se conseguir a sombra destas árvores, os fazendeiros procuraram terrenos de mata que foram entretanto desbastadas, deixando apenas as necessárias para o efeito. Na região do Songo apenas duas fazendas têm alguns hectares de café alinhado e sem árvores, a fazer lembrar as modernas vinhas alentejanas.
Como o clima é tropical, o capim (erva) desenvolve-se muito e muito rapidamente, sendo necessária grande quantidade de mão-de-obra para capinar periodicamente os intervalos das plantas (trabalhadores contratados da região do Bailundo).
Na altura da floração, os cafezais são uma coisa excepcionalmente bela, o contraste do verde forte das plantas e das árvores com o branco das flores em forma de estrela e em cacho, aliados ao abundante e agradabilíssimo cheiro, que se assemelha muito ao de jasmim, fazem-nos pensar no éden…
A fase seguinte, menos cheirosa mas igualmente bonita, é a das várias colorações das bagas no seu processo de maturação: verde em primeiro lugar, depois um amarelado e, por fim, o vermelho cereja (na altura da apanha), terminando castanho já no terreiro.
A época da apanha é também uma altura muito interessante. Os trabalhadores homens, mulheres e algumas crianças ripam as bagas. As mulheres para açafates e os homens para alforges de estopa que trazem às costas. Uma vez cheios estes recipientes são despejados para enormes sacas de estopa que depois de cheios pesam cinquenta quilos. Posteriormente são carregadas em camionetas que as levam para os terreiros das fazendas, fincando as bagas expostas ao sol tórrido com o objectivo de secarem e de homogeneizarem a cor. Para o conseguir, homens em tronco nu, munidos com rodos de madeira, passeiam-se pachorrentamente durante todo o dia, num vai e vem interminável – desde que o Sol nasce até que se põe – voltando os grãos do café mabuba[1].
Por último, o ouro negro de Angola é transportado para o porto de Luanda onde embarca rumo aos grandes industriais de café na Europa.

As origens do café
Há uma lenda africana, mais precisamente na Etiópia, que remonta ao século III d.C. e que nos diz que um pastor, de nome Kaldi, quando apascentava o seu rebanho terá reparado que os animais ao ingeriam umas bagas amarelo avermelhadas, de uma planta que nascia espontaneamente pelo campo ficavam excitados e até um pouco tontos! Passado algum tempo, depois de muito matutar, decidiu ir contar o fenómeno ao Monge da sua aldeia. Este, depois de o ouvir, decidiu ir ao campo para se certificar da existência das bagas, colheu uma porção e pô-las em infusão durante algum tempo; depois tomou o líquido e reparou que também ele ficava excitado e sem sono! A notícia espalhou-se rapidamente por todo o Mosteiro e os seus colegas correram a apanhar as tais bagas para fazerem a milagrosa infusão.
O certo é que com o passar do tempo, e talvez a partir desta lenda, chega-se à ideia de que o cultivo do café tenha sido feito, pela primeira vez, nos Mosteiros islâmicos no Iémen.
Contudo, hoje acredita-se que a planta do café é originária da Etiópia. Porém, foi a Arábia quem disseminou a sua cultura – ainda hoje há o famoso café arábico. Mas o nome café tem origem na palavra árabe qahwa que significa vinho! Nos primórdios da descoberta do café este era conhecido como o ‘vinho’ da Arábia!
Hoje crê-se que o café tenha chegado à Europa através dos egípcios. Há quem diga que estes o vendiam aos turcos e que foram estes que o introduziram na Europa, e que os europeus posteriormente o difundiram pelo resto do mundo.
Mas foi só nos finais do século XVIII, com a descoberta da cafeteira pelo conde Rumford, que o uso do café se começou a disseminar pelo povo. Contudo, foi a descoberta da máquina de café expresso em 1822, que veio impulsionar o consumo desta bebida. Porém, foram os italianos que mais tarde, em 1905, a desenvolveram e comercializaram. Mas só depois da Segunda Guerra Mundial, quando Giovani Gaggia apresentou a primeira máquina que separava a água do pó de café, depois de pressionada por uma bomba de pistão, é que o verdadeiro sucesso foi alcançado pela facilidade do seu uso. Esta descoberta fez com que a bebida do café se popularizasse e se generalizasse por todo o mundo.

A participação de Portugal nesta saga
Os portugueses deram um importante contributo na disseminação do café pelo mundo. Por volta de 1727, apercebendo-se das potencialidades das terras da sua colónia brasileira, os Lusos introduziram a cafeicultura neste território e um punhado de proprietários pioneiros tudo fizeram para que o seu cultivo fosse aceite pelos seus pares, tendo conseguido um êxito espectacular nas terras do ‘sem-fim’, de tal maneira que chegou mesmo a tornar-se no produto-base da economia da colónia.
Porém, só nos finais de 1930 é que os portugueses incrementaram a produção do café na sua colónia angolana. E fizeram-no com tal êxito que a sua produção, que era de pouco mais de 5.800 toneladas no início da Segunda Guerra Mundial, posteriormente fosse sempre em crescendo tendo atingido em 1973 a bonita quantia de 218.681 toneladas.
Foi preciso percorrer um longo e árduo caminho para que os povos mais abastados do mundo possam pedir um café, um expresso, uma bica, um cimbalino… E peguem, com delicadeza, nas pequenas, cónicas e grossas chávenas de porcelana, estimulando primeiro a pituitária, com o seu aroma inconfundível, depois sorvam pequeníssimas porções, espalhando bem o líquido por toda a língua e céu-da-boca, para que as papilas gustativas se deliciem com o paladar único que também a nós nos estimula.

O café e a saúde
Por último, acresce dizer que a comunidade médica internacional, após muitos e variados estudos, concluiu que a ingestão do café faz bem à saúde. Claro está que, como tudo, desde que ingerido com moderação – três a quatro chávenas por dia.
[1] Café em casca.

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  “É O COMER QUE FAZ A FOME.   É O CORAÇÃO QUE FAZ O CARÁTER”                    Eça de Queiroz  Imagem: Internet