sábado, 28 de novembro de 2009

NOITE DE LUA CHEIA NO SERTÃO AFRICANO

O terceiro pelotão caminhava pela vasta estepe africana em mais uma operação de vigilância. O objetivo era montar uma emboscada num ponto X, próximo de Massarelos, ao amanhecer do dia seguinte. Enquanto caminhavam pelo capim, cruzavam-se repetidamente com manadas de gazelas a pastar descontraídas. Eram animais elegantes, de locomoção tão graciosa que pareciam flutuar sobre o chão. De orelhas espetadas e caudas a abanar, eram esguios como corais. Ao menor sinal de ameaça, corriam rápidos como um tiro. Embora o desejo de os caçar pairasse na mente dos soldados, sabiam bem que as armas não podiam ser usadas para esse fim.

Ao afastarem-se dos locais pré-estabelecidos, montaram um perímetro de segurança e jantaram antes do escurecer completamente. Depois, voltaram por outro caminho até ao ponto da emboscada, onde se prepararam para descansar. Formaram um círculo de segurança, com sentinelas que alternavam a cada duas horas. O dispositivo para a emboscada só seria montado ao romper da aurora.

Foi então que o cambalhotas, “guarda-costas” do furriel, como gostava de se auto-intitular, propôs:
"Furriel, vou fazer-lhe uma palhota para não apanhar cacimbo!"
O graduado sorriu, mas não respondeu. Cambalhotas, sem esperar, começou a erguer uma estrutura rudimentar de palha para proteger o graduado do frio, usando uma habilidade inata que transformava um punhado de capim e ervas secas numa cabana cónica, semelhante às dos índios.

O furriel agradeceu e, depois de se deitar, apreciou a palhota e o que se via lá de dentro, murmurando para si mesmo:
"O rapaz tem jeito! Embora mais pequena do que as dos indígenas, é um abrigo acolhedor! E que noite linda e serena de lua cheia..."
Sentiu-se invadir por uma sensação de bem-estar, como se a natureza o enchesse de paz, e entregou-se de pensamentos enquanto olhava, pela ombreira triangular da porta, para a Lua – enorme, amarelada, quase afogueada (talvez uma superlua-cheia), com sulcos negros a marcarem-lhe o rosto. Era como se ela lhe sussurrasse: "Boa noite! Dorme descansado, pois esta noite velarei por ti."

Lá fora, um manto de estrelas cintilantes, maioritariamente azuis, mas também com algumas vermelhas, amarelas e, aqui e ali, até verdes, acompanhava a majestade lunar, rainha de um céu negro como breu. A energia e a beleza esmagadoras da noite não lhe deixavam alternativa senão contemplá-la. Ali estavam ele e os seus camaradas, aguardando os "turras" e, ao mesmo tempo, desejando que não aparecessem, enfeitiçados pela grandiosidade da natureza.

Por volta da meia-noite, lá longe, vindo das profundezas do sertão angolano, começou a ouvir-se um suave e agradabilíssimo rufar de tambores, como se o inimigo, subitamente pacífico, decidisse contribuir para a magia daquele momento.
"Talvez até nos estejam a presentear com mais um espetáculo associando-se àquela deslumbrante noite ... um batuque."
Deitado de costas, desejou que aquele instante durasse para sempre. Extasiado, deixou-se embalar numa espécie de meditação contemplativa:
"Isto é África no seu esplendor noturno e misterioso. Decerto o inimigo não irá estragar este momento poético, quase divino! Sim, divino... porque a natureza é, aqui, mais do que em qualquer outro lugar, algo misturado com o sagrado. A força selvagem, as belezas intocadas deste lugar esmagam-nos e elevam-nos a um estado de espírito quase de oração."

Sentiu que, por isso mesmo, o inimigo jamais passaria por ali naquela noite. E assim ficou a observar a paisagem grandiosa e selvagem que, de tão bela e pacífica, lhe parecia irreal... Os seus olhos permaneceram abertos, sentindo uma leveza de espírito, uma paz e um prazer infinitos, até que, de repente, se voltou para o lado esquerdo e adormeceu profundamente.

De manhã, um raio de sol dourado entrou pelo triângulo que fazia de porta na improvisada cabana, banhando-lhe o rosto e acordando-o. Espreguiçando-se, encheu os pulmões com o ar fresco da manhã, perfumado pelo orvalho que absorvera os cheiros do capim e da pacaça, animal abundante naquela região.

Aquele jovem militar registava mais uma memória profunda da África, desta vez através do olfato, e recordou, então, as emoções extraordinárias da noite anterior. Pensou que, apesar da guerra, era um homem com sorte por ter vivido uma experiência tão inolvidável.

Na verdade, nunca se sentira tão ligado à natureza como naquela noite. Todos os seus sentidos — visão, olfato, audição e tato — haviam estado em alerta constante, numa simbiose plena com o ambiente. Sentia-se o grande beneficiado daquela comunhão.

Depois de tantas e tão intensas emoções, o furriel ordenou que os homens se posicionassem para a emboscada. Ali, deitados no chão com olhos e ouvidos atentos, aguardaram em alta tensão a possível passagem do inimigo. Como o inimigo não aparecera até ao meio-dia, o furriel mandou que o homem do rádio contactasse o alferes para pedir instruções. A ordem foi para se retirarem e se juntarem ao segundo pelotão, que operava nas redondezas.

A caminho, lembrou-se mais uma vez da noite anterior, agora com um toque de nostalgia, e surpreendeu-se ao perceber que o inimigo, de facto, não havia passado. Embora as probabilidades de eles aparecerem ali fossem sempre inferiores a cinquenta por cento, pensou para si:
"O importante é que eles não passaram. Nem podiam ter passado, depois de uma noite tão mágica, com a Lua a velar por nós como sentinela."

 A.M.

domingo, 22 de novembro de 2009

NA ROTA DO MUNDO é a maneira que encontrei de corresponder ao conselho de um visitante (anónimo, com pena minha). Assim, passarei, de quando em vez, a publicar imagens do Mundo, do meu arquivo pessoal, da internet e de quem quiser enviar-me fotos para partilhar. Naturalmente que com excepção das minhas, todas as outras terão a sua origem identificada.
Este será o logótipo de cada série de fotografias:


Luanda é uma cidade bastante cosmopolita, de cor clara, sobe desde a baía até ao aeroporto, com muitos prédios, alguns bastante altos, torres que se avistam de todo o lado como por exemplo: o edifício do BCA (Banco Comercial de Angola), no extremo sul da Marginal, ou o da CUCA (marca de uma cerveja), no Largo dos Lusíadas; bairros de vivendas muito bonitas com lindíssimas piscinas, largas avenidas, ruas arejadas, com árvores (a maioria da família das acácias) que amenizam um pouco o tórrido calor que se faz sentir por estes lados dos trópicos e, claro, os tradicionais musseques empurrados para a periferia da cidade.
As pessoas são mais alegres, desinibidas, vestem cores claras, os corpos andam menos tapados, pode mesmo afirmar-se que são luxuriantemente extrovertidas! Condizentes, aliás, com a natureza que em África é, toda ela luxuriante.
Ah! Como esta cidade nos fazia lembrar Lisboa! Isto na época de 73/75.


Luanda à noite
arquivo pessoal
A mesma imagem de dia
arquivo pessoal



Paradisíaca imagem da edílica ilha do Mussulo em Luanda. Imagem da internet

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A PONTE SOBRE O RIO LUCUNGA

Rio Lucunga - picada SONGO/QUIVUENGA - 1973/75
A CART 6553 está profundamente ligada a esta ponte, por maus e bons motivos. Quando chegámos ao Songo, ainda não havia ponte a ligar as duas margens do rio Lucunga (Songo Quivuenga). Estavam-se a iniciar os trabalhos preliminares para a construção da mesma.
Infelizmente, foi a falta desta importantíssima infra-estrutura que, logo no início, esteve na base da morte de um nosso camarada. A travessia do rio fazia-se a vau. As viaturas desviavam-se da picada, desciam a margem do rio e entravam na água até atingirem a outra margem, subiam-na e voltavam à picada. O motorista que tinha sido destacado do Batalhão de Carmona (Uíge) para ajudar na identificação das picadas, esqueceu-se da falta da ponte e, porque ia com alguma velocidade, quando se apercebeu, guinou o volante subiu a berma que era alta e a viatura voltou-se, tendo o infortunado camarada ficado com a cabeça esmagada pelo encosto do banco do unimogue.
Dava-se início, então, à construção da primeira ponte sobre o rio Lucunga que liga a picada do Songo ao Quivuenga. A segurança aos trabalhadores era feita pela Companhia do Songo que para lá fazia deslocar um pelotão diariamente e por um período de uma semana.
Os militares, ao chegarem ao local da construção, montavam um dispositivo de segurança, três secções (cinco homens cada) entravam na mata, que ali era composta por cafezais com as tradicionais árvores altas a fazerem-lhe sombra, e estabeleciam um perímetro à volta do local, nas duas margens do rio, enquanto a outra secção ficava a descansar. Depois iam-se revezando alternadamente por períodos de duas horas.
Os dias passavam-se lentos e monótonos sem nada acontecer. Até que numa ocasião, estava eu em cima da estrutura de madeira que iria receber o cimento, a olhar para o rio, quando às tantas me pereceu ver um ‘alfaiate’[1]! Chamei o P. Felgueiras (motorista) que estava perto de mim e pedi-lhe que olhasse bem para o local onde o suposto réptil se encontrava. O P. Felgueiras não necessitou de muito tempo para gritar “é um crocodilo! É um crocodilo!” A malta que estava de descanso passava o tempo a pedir para ir tomar banho, o que atendendo ao calor que se fazia sentir era compreensível. Claro está, a partir deste dia mais ninguém quis ir ao banho…
Um dia estavam os trabalhadores da ponte com um torniquete, que funcionava ali como uma espécie de sarilho, a puxarem uma viga de ferro (eram três as vigas que iram suportar o tabuleiro) para serem assentes nos pilares. Os trabalhadores já tinham colocado a primeira e estavam a iniciar a colocação da segunda. Isto era um trabalho moroso, uma semana para cada viga segundo o encarregado da obra. Eu pus-me a olhar para o trabalhador que, lento e monótono, lá ia movimentando o torniquete para a direita e para a esquerda vezes sem fim para conseguir que a estrutura metálica se movesse apenas uns milímetros. Às tantas bati com a mão na testa e disse ao encarregado da obra que com o ‘burro do mato’[2] podíamos puxar as vigas num instante! Estas viaturas tinham tracção às quatro rodas, possuíam um sarilho e, embora pequenas, tinham uma força descomunal. O encarregado, com cara de quem não acreditava muito no que lhe estava a ser proposto lá foi dizendo que podíamos experimentar… eu saltei para cima da viatura, os trabalhadores engataram o cabo que estava ligado ao guincho da viatura à viga e, em meia hora, as duas vigas que faltavam estavam sob os pilares da ponte. Um trabalho rápido e eficiente.
Apesar do infortúnio que foi a perda do nosso camarada, e também por isto, estamos sentimentalmente ligados a este lugar. Foi, pois, com tristeza que soube que esta ponte havia sido destruída aquando da guerra civil e, consequentemente, fiquei muito contente quando li que a ponte sobre o rio Lucunga fora restaurada e está novamente ao serviço do povo desta região.
[1] Nome dado pelos soldados aos crocodilos.
[2] Unimogue a gasóleo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

NOTÍCIAS DO SONGO



Embora atrasada, esta é mais uma boa notícia para o Songo. Desta feita para a cultura dos songuenses. Parabéns.
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Um instituto pré-universitário, com capacidade para quatro mil e 608 alunos, está a ser construído no município do Songo, 40 quilómetros da sede capital da província do Uíge, no quadro de um programa que visa diminuir o número de jovens fora do sistema de ensino.
Localizado no bairro “4 de Fevereiro", o empreendimento começou a ser erguido em Novembro do ano passado e vai comportar 10 salas de aula, cada com capacidade para albergar 32 alunos, divididos em dois turnos. Consta igualmente do projecto a criação de uma sala de professores, cinco gabinetes, uma arrecadação, quatro balneários, uma sala de conferências com 100 cadeiras, área administrativa e uma quadra desportiva. Falando à Angop, o responsável pela empreitada, Muto Kiala, disse que a obra, que ocupa uma área de cerca de 500 metros quadrados, emprega 50 trabalhadores, na sua maioria jovens locais, e decorre a bom ritmo. Segundo ele, os trabalhos deverão estar concluídos até Maio deste ano, conforme previsto no acordo. Contactado a propósito, o administrador do Songo, Cristóvão Manuel Kiala, mostrou-se satisfeito com a construção do instituto, sublinhando que a sua entrada em funcionamento, no próximo ano lectivo, vai ajudar na diminuição do número de alunos fora do sistema de ensino. A sua edificação, de acordo com o interlocutor, está enquadrada no Programa de Investimentos Públicos 2007/2008. Ainda no quadro deste programa, está igualmente em curso na localidade a construção de 10 novas escolas do primeiro e segundo níveis, das quais seis na sede municipal e quatro na comuna de Kinvuenga. As obras de edificação das referidas escolas, todas com seis salas de aula, com capacidade para 32 alunos, cada, divididos em dois turnos, estão a cargo da construtora "Sicola". Empregam 120 trabalhadores e a sua conclusão está prevista para Maio próximo. Com 12 mil alunos matriculados neste ano lectivo, contra 10 mil do ano passado, o município do Songo conta com 53 escolas do primeiro e segundo níveis e um centro profissional. O número de professores controlados oficialmente é de 726. Situada entra as serras do Uíge e Mucaba, o município do Songo conta com uma população estimada em 65 mil habitantes, espalhada em duas comunas, nomeadamente Songo (sede) e Kinvuenga. A localidade possui dois mil quilómetros quadrados.
Fonte: Jornal de Angola, 20 de Fevereiro de 2008

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A MINA REBENTOU!



Esta foto faz parte do meu arquivo pessoal

Pois é, estamos mesmo a falar do Songo/Quivuenga!

Um Quivuenga decidiu escrever-me e, com a sua autorização, aqui fica mais uma história! Obrigado camarada.
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Caro amigo Magalhães:Quantas vezes terei passado por si, durante o tempo que permaneci em Quivuenga e das muitas vezes que ia ao Songo? Não me recordo como é óbvio da sua pessoa, embora o nome me diga alguma coisa e não resisti à tentação de lhe enviar estas palavras, ao consultar o site dos Quivuengas.
Posso dizer que continuo um apaixonado por aquele país, e que de alguma forma tenho até saudades do tempo que lá passei.
A minha especialidade era cabo condutor, e não esqueço um episódio que me aconteceu, e que para a solução do mesmo muito contribuiu a vossa Companhia.

Um dia em Carmona, bati com a berliet, na traseira de jeep Land Rover de um abastado português residente naquela cidade. Dei-me como culpado e a reparação custaria uma ninharia para as posses de um homem rico como ele, comparado com as dificuldades de um soldado (cabo) cujo salário mal dava para beber umas "Nocais" ou comer umas refeições num restaurante quando saíamos de Quivuenga. A berliet não teve nada, mas a traseira do Land Rover que era de alumínio ficou um pouco danificada. Para o meter numa oficina, custava-me à época 14 contos e eu não sabia, onde ir buscar esse dinheiro. Alguém me disse que na companhia do Songo havia dois militares (negros) que sabiam de bate chapas e dessa maneira me poderia ficar mais barato. Falei com o meu capitão (Oliveira) ele falou com o comandante de companhia do Songo que não me recordo do nome, e autorizou os dois militares a repararem a viatura, pagando eu apenas os mateiras, e depois dei também uma gorjeta aos citados militares, que assim contribuíram para que as minhas já de si débeis finanças, não fossem ainda mais afectadas.
Relativamente ao tal proprietário do veículo com quem choquei com a berliet, ele foi na altura comigo à oficina em Carmona para fazer o orçamento. Ao saber que o mesmo era de 14 contos, ofereceu-se para depois me ajudar a pagar com algum dinheiro parte dessa reparação. Como foi arranjado no Songo pelos dois militares naturais de Angola, o tal ricalhaço, foi lá levar a viatura para reparar, e quando estava pronta e viu que me ficou mais barata a reparação do que na oficina, ele nunca me deu nada apesar de eu lhe ter pedido algumas vezes. A única coisa que fez foi meter-me dentro do "carrão" que tinha (um Camaro - Chevrolett) e deu duas voltas por Carmona a alta velocidade, talvez para me provar que era um bom condutor, ao contrário de mim que lhe estraguei o jeep. Quando me despedi, com a educação que é meu apanágio e que recebi de meus pais, apenas lhe disse que eu cumpri a minha parte, reparando a viatura dele e ele não cumpriu a dele ao negar-me a ajuda prometida. Olhou-me com desprezo, e eu fechei-lhe a porta com alguma indelicadeza e virei as costas. Como eu ia a Carmona várias vezes, encontrei-o num bar de nome "safari" em frente do hotel Apolo, e convidou-me a beber uma cerveja. Respondi-lhe que era pobre, mas com dignidade e se tive dinheiro para pagar a reparação, melhor tinha para beber uma cerveja. A partir daqui nunca mais lhe falei, quando calhava de o ver.Como disse o dono da viatura era segundo informações um homem rico, que em nada o prejudicaria se perdoasse a minha culpa, mas não aceitou o pedido de desculpas, e como já estávamos muito próximos de vir embora, o meu sacrifício pagou a reparação, mas pergunto-me se o meu sacrifício o beneficiou a ele em alguma coisa. A viatura veio para Portugal, ou ficou lá a apodrecer? Enfim sensibilidades, que não lhe resolveram o problema mas que agravou significativamente o meu. Esta é a penas uma das muitas histórias a relatar.

Comi muitas vezes no refeitório da Companhia do Songo, quando em serviço lá me deslocava. Quanto a mim, posso dizer que quando saí de Angola (a comissão começou em 12 de Fev. 74 e terminou em 25 de Julho de 75), como a situação em Portugal era confusa (estávamos em pleno PREC) decidi emigrar e parti para a Venezuela, onde estive 6 anos. Depois a saga continuou por Arábia Saudita, Rússia, Irão, Alemanha, Itália, Bélgica e Holanda. Regressei há 11 anos, tendo ingressado nos quadros da Câmara Municipal de Tabuaço (meu concelho) onde trabalho como Assistente Técnico. Estes meios informáticos ao nosso dispor, são muito úteis porque encurtam distâncias e permitem (como é o caso) aproximarmo-nos dos amigos. Todos os anos os Quivuengas fazem um encontro, que servem para matar saudades e recordar velhas amizades.Caro amigo, como digo não sei nada de si, nem donde é, mas quem sabe se este não será o princípio de uma amizade longa e duradoura. Felicidades para si e família e (quem sabe) até um dia.
Saudações Songo-Quivuengas.
Rui "CARVALHO" ex-1º cabo Condutor Auto Rodas

domingo, 8 de novembro de 2009

A PROPÓSITO DE CAFÉ



Há dias, estava a navegar pela blogosfera, quando encontrei um blogue (“Por Terras de África” que aconselho a visitarem) onde o autor se diz desalentado por neste percurso – De Luanda ao Uíge – não ter visto uma planta de café!
Este facto surpreende-me, porque, como sabem as pessoas da minha idade que por ali passaram, nesta região o café era rei. Aliás esta estrada era memo conhecida pela estrada do café.
A propósito de tudo isto, dei comigo a pensar que poderia partilhar convosco um excerto do capítulo de um livro que espero ser capaz de concluir e que tem o objectivo de contar a minha visão, embora romanceada, da guerra colonial de que fiz parte.

O cultivo do café
A zona sob protecção da Companhia Militar do Songo, que corresponde mais ou menos à área de uma das nossas províncias no continente, é dominada por grandes, médios e pequenos cafeicultores, cabendo uma pequeníssima parte, absolutamente residual, aos autóctones. Enquanto o café dos fazendeiros é plantado segundo os novos métodos de plantio em linha, o dos indígenas, por ser mais antigo, é desalinhado. A fazer lembrar, aliás, as velhas vinhas das nossas aldeias.
A plantação faz-se em terreno plano ou de montanha onde árvores altas fazem o sombreamento das plantas. Para se conseguir a sombra destas árvores, os fazendeiros procuraram terrenos de mata que foram entretanto desbastadas, deixando apenas as necessárias para o efeito. Na região do Songo apenas duas fazendas têm alguns hectares de café alinhado e sem árvores, a fazer lembrar as modernas vinhas alentejanas.
Como o clima é tropical, o capim (erva) desenvolve-se muito e muito rapidamente, sendo necessária grande quantidade de mão-de-obra para capinar periodicamente os intervalos das plantas (trabalhadores contratados da região do Bailundo).
Na altura da floração, os cafezais são uma coisa excepcionalmente bela, o contraste do verde forte das plantas e das árvores com o branco das flores em forma de estrela e em cacho, aliados ao abundante e agradabilíssimo cheiro, que se assemelha muito ao de jasmim, fazem-nos pensar no éden…
A fase seguinte, menos cheirosa mas igualmente bonita, é a das várias colorações das bagas no seu processo de maturação: verde em primeiro lugar, depois um amarelado e, por fim, o vermelho cereja (na altura da apanha), terminando castanho já no terreiro.
A época da apanha é também uma altura muito interessante. Os trabalhadores homens, mulheres e algumas crianças ripam as bagas. As mulheres para açafates e os homens para alforges de estopa que trazem às costas. Uma vez cheios estes recipientes são despejados para enormes sacas de estopa que depois de cheios pesam cinquenta quilos. Posteriormente são carregadas em camionetas que as levam para os terreiros das fazendas, fincando as bagas expostas ao sol tórrido com o objectivo de secarem e de homogeneizarem a cor. Para o conseguir, homens em tronco nu, munidos com rodos de madeira, passeiam-se pachorrentamente durante todo o dia, num vai e vem interminável – desde que o Sol nasce até que se põe – voltando os grãos do café mabuba[1].
Por último, o ouro negro de Angola é transportado para o porto de Luanda onde embarca rumo aos grandes industriais de café na Europa.

As origens do café
Há uma lenda africana, mais precisamente na Etiópia, que remonta ao século III d.C. e que nos diz que um pastor, de nome Kaldi, quando apascentava o seu rebanho terá reparado que os animais ao ingeriam umas bagas amarelo avermelhadas, de uma planta que nascia espontaneamente pelo campo ficavam excitados e até um pouco tontos! Passado algum tempo, depois de muito matutar, decidiu ir contar o fenómeno ao Monge da sua aldeia. Este, depois de o ouvir, decidiu ir ao campo para se certificar da existência das bagas, colheu uma porção e pô-las em infusão durante algum tempo; depois tomou o líquido e reparou que também ele ficava excitado e sem sono! A notícia espalhou-se rapidamente por todo o Mosteiro e os seus colegas correram a apanhar as tais bagas para fazerem a milagrosa infusão.
O certo é que com o passar do tempo, e talvez a partir desta lenda, chega-se à ideia de que o cultivo do café tenha sido feito, pela primeira vez, nos Mosteiros islâmicos no Iémen.
Contudo, hoje acredita-se que a planta do café é originária da Etiópia. Porém, foi a Arábia quem disseminou a sua cultura – ainda hoje há o famoso café arábico. Mas o nome café tem origem na palavra árabe qahwa que significa vinho! Nos primórdios da descoberta do café este era conhecido como o ‘vinho’ da Arábia!
Hoje crê-se que o café tenha chegado à Europa através dos egípcios. Há quem diga que estes o vendiam aos turcos e que foram estes que o introduziram na Europa, e que os europeus posteriormente o difundiram pelo resto do mundo.
Mas foi só nos finais do século XVIII, com a descoberta da cafeteira pelo conde Rumford, que o uso do café se começou a disseminar pelo povo. Contudo, foi a descoberta da máquina de café expresso em 1822, que veio impulsionar o consumo desta bebida. Porém, foram os italianos que mais tarde, em 1905, a desenvolveram e comercializaram. Mas só depois da Segunda Guerra Mundial, quando Giovani Gaggia apresentou a primeira máquina que separava a água do pó de café, depois de pressionada por uma bomba de pistão, é que o verdadeiro sucesso foi alcançado pela facilidade do seu uso. Esta descoberta fez com que a bebida do café se popularizasse e se generalizasse por todo o mundo.

A participação de Portugal nesta saga
Os portugueses deram um importante contributo na disseminação do café pelo mundo. Por volta de 1727, apercebendo-se das potencialidades das terras da sua colónia brasileira, os Lusos introduziram a cafeicultura neste território e um punhado de proprietários pioneiros tudo fizeram para que o seu cultivo fosse aceite pelos seus pares, tendo conseguido um êxito espectacular nas terras do ‘sem-fim’, de tal maneira que chegou mesmo a tornar-se no produto-base da economia da colónia.
Porém, só nos finais de 1930 é que os portugueses incrementaram a produção do café na sua colónia angolana. E fizeram-no com tal êxito que a sua produção, que era de pouco mais de 5.800 toneladas no início da Segunda Guerra Mundial, posteriormente fosse sempre em crescendo tendo atingido em 1973 a bonita quantia de 218.681 toneladas.
Foi preciso percorrer um longo e árduo caminho para que os povos mais abastados do mundo possam pedir um café, um expresso, uma bica, um cimbalino… E peguem, com delicadeza, nas pequenas, cónicas e grossas chávenas de porcelana, estimulando primeiro a pituitária, com o seu aroma inconfundível, depois sorvam pequeníssimas porções, espalhando bem o líquido por toda a língua e céu-da-boca, para que as papilas gustativas se deliciem com o paladar único que também a nós nos estimula.

O café e a saúde
Por último, acresce dizer que a comunidade médica internacional, após muitos e variados estudos, concluiu que a ingestão do café faz bem à saúde. Claro está que, como tudo, desde que ingerido com moderação – três a quatro chávenas por dia.
[1] Café em casca.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CULTIVO DO CAFÉ NO UÍGE/SONGO


Nota prévia:
Sendo esta notícia atrasada, dá bem a ideia do muito que há para fazer neste domínio em Angola e concretamente na região do Uíge/Songo.
A recuperação dos cafezais é, a meu ver, determinante para o desenvolvimento e enriquecimento desta população, desde logo pela criação de milhares de postos de trabalho.

NOTÍCIAS DO SONGO
Uíge, 22/02 - Mais de dez mil camponeses do município do Songo, 40 quilómetros a norte da sede capital da província do Uíge, estão a beneficiar, desde Janeiro último, de instrumentos de trabalho e de sementes diversas? Em declarações hoje à Angop, o responsável da EDA no Songo, Ramiro Mutunda disse que os instrumentos e as sementes servirão para o fomento da produção agrícola, no âmbito do Programa de Extensão e Desenvolvimento Rural (PEDR).Do lote de instrumentos e sementes, que abrange também os camponeses da única comuna do município (Kinvuenga), constam catanas, enxadas, limas, machados e sementes de feijão, ginguba, batata-doce, cujas quantidades distribuídas não foram reveladas.O responsável mostrou-se preocupado com o atraso que se regista na conclusão da preparação de terras naquele município, pela empresa de mecanização agrícola. Dos quatrocentos hectares previstos para serem preparados, apenas 32 foram lavrados."Nós temos estado a receber informações dos camponeses daqui do município de que as terras estão a ser preparadas num tempo não próprio, assim como a distribuição das sementes está também acima da hora", disse.Explicou também que 75 hectares foram lavrados durante o ano de 2005 e cultivados com mandioqueira pelos camponeses do município do Songo.O Songo possui uma população estimada em 65 mil e 200 habitantes, maioritariamente camponesa, dedicando-se o cultivo da mandioca, feijão, ginguba, milho, hortícolas e outros.
Notícia da Angop, 22/02/07

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Notícias do município do Songo


Boas notícias para as populações da região do Songo


As vias de comunicação do município do Songo, da província do Uíge, estão a ser requalificadas e ampliadas com novos tapetes de asfalto.
A recuperação da ponte sobre o rio Lucunga é fundamental para o desenvolvimento das vidas das populações da região. Esta importante via de comunicação que liga entre outras o Quivuenga ao Songo (65.000 pessoas), havia sido destruída aquando da guerra civil que desbastou Angola.


(Informação recolhida através da Angop).

domingo, 1 de novembro de 2009

A CAMINHO DO QUIVUENGA



Da esquerda para a direita, os furriéis: Cândido, Ribeiro e Magalhães

O caminho era feito por uma picada larga – chamavam-lhe a ‘autoestrada’ do Quivuenga –, agora já íamos em viaturas militares e em atitude de guerra, porque, do Songo para a frente, já havia conflito! Embora, segundo os veteranos da ‘ONZIMA’ que asseguravam a escolta, não fosse provável qualquer contacto com o inimigo. Mas enquanto nós, os novatos, fazíamos a viagem com medo, os velhinhos iam alegres e descontraídos.

A malta que estava no Quivuenga e que ia ser substituída colocou placas nos cruzamentos do percurso, apontando Lisboa a 8.730 km e outros letreiros com frases como estas: ‘Maçaricos, só faltam 730 dias! Vá lá, animem-se! – Adeus até nunca mais! – Tendes muito pó para comer… pobrezinhos!’.

Por fim, felizmente, chegámos sem problemas. Claro está que, quando aparecemos, outra receção nos esperava! Embora esta fosse mais rápida, pois a rapaziada estava com pressa para regressar ao Songo, o que era compreensível. E nós, cabisbaixos, lá nos íamos instalando. Valeu-nos a simpatia do nosso major, que nos fez um acolhimento simpático e nos tranquilizou.

O Quivuenga ficava a nordeste do Songo, nas faldas da serra da Mucaba. Era um povoado surpreendentemente pequeno, implantado em cima de um pequeno morro, e estendia-se de leste para oeste. Era servido por duas picadas, com apenas sete ou oito casas e uma pequena igreja a leste. Do lado direito da igreja, ficava a casa do chefe de posto, a autoridade civil; do lado oposto à igreja, o aquartelamento: a camarata dos soldados, o refeitório e a cozinha. A meio da aldeia estava a casa dos oficiais e sargentos, com uma venda ao lado; 300 metros mais abaixo encontrava-se a sanzala, com umas trinta habitações autóctones. As pessoas viviam em pequenas casas retangulares, feitas de blocos de terra e cobertas por chapas de zinco. A maioria tinha uma porta e uma janela; algumas maiores tinham duas janelas, sempre voltadas para a rua e todas alinhadas. Aliás, os povos que viviam mais ou menos dispersos ou em aglomerados irregulares antes da guerra foram obrigados pelas autoridades administrativas, depois de esta eclodir, a agruparem-se em aldeias construídas por si, em terreno direito e ruas perpendiculares ao estilo do Marquês de Pombal, para melhor serem controlados.

Estes dois pelotões mantinham-se neste destacamento por um período de três meses e, no fim deste tempo, eram substituídos por outros camaradas da companhia do Songo.

O terceiro pelotão de atiradores da Companhia de Artilharia 6553/73 era composto por trinta soldados, incluindo um cabo, três furriéis e um alferes. Os furriéis eram o Magalhães, o M. Silva A. e o Vieira; o alferes, o Silva. O segundo pelotão tinha a mesma composição, e os furriéis eram o Ribeiro, o Cândido., o Cardoso. e o aspirante Costa. Os dois pelotões eram apoiados por um cabo cozinheiro, um auxiliar de enfermagem e um homem de transmissões. O destacamento estava sob o comando do major Oliveira, um homem da ilha da Madeira.

Fui nomeado, pelo Comando da Companhia do Songo, vagomestre do destacamento e, por inerência, o major nomeou-me, tacitamente, seu braço direito.

Pelas vinte horas deste longo dia, 25 de agosto de 1973, dei as boas-noites aos presentes, que, à volta de uma pequena mesa, escreviam para a família um aerograma, uma espécie de carta ou postal isento de selo utilizado pelas forças armadas em combate e criado pelo Movimento Nacional Feminino, e fui-me deitar.

Na parede, por cima da minha cama, estava uma frase que dizia: “E quando me dá uma forte vontade de trabalhar, deito-me e espero que ela se vá”. O camarada da ONZIMA que lá a colocou, se ler este blogue, fica a saber que eu fui o seu herdeiro e fiz bom uso do conteúdo da mensagem.

Mas se pensam que fiquei na cama e adormeci de seguida, desenganem-se! Fui, literalmente, arrancado da cama para jogar uma partida de king! Coisa que eu não fazia a menor ideia do que era; nunca tinha ouvido falar de tal jogo. Só depois de jogar, perder e pagar o camarão é que, por volta da uma da manhã, fui, por fim, dormir o justo sono.

A.M.

PENSAMENTO

  “É O COMER QUE FAZ A FOME.   É O CORAÇÃO QUE FAZ O CARÁTER”                    Eça de Queiroz  Imagem: Internet